10/04/2024

STJ afasta cobrança de multa e juros sobre ITCMD progressivo

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem autorizado contribuintes a pagar
diferença de ITCMD, gerada com a aplicação da tabela de alíquotas
progressivas, sem multa. Ontem, além dessa penalidade, a 2ª Turma decidiu,
por unanimidade, também afastar o pagamento de juros de mora, por conta,
no caso, da falta de notificação prévia da Fazenda do Rio Grande do Sul.
A decisão, apesar de não ser em recurso repetitivo, pode abrir brecha para que
contribuintes pleiteiem o mesmo direito. Ainda mais quando a progressividade
da alíquota do imposto sobre heranças e doações deve ser adotada em todo o
Brasil com a reforma tributária. Estados como São Paulo, Alagoas, Amapá,
Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e
Roraima, que têm alíquota fixa, passarão a adotar novas leis para a aplicar a
progressão — quanto maior o patrimônio, mais alta a alíquota.
A discussão analisada no STJ deriva de uma outra tese, que já havia sido perdida
pelos contribuintes, sobre a validade da aplicação da tabela progressiva do
ITCMD — chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2013. O caso
julgado pelos ministros (RE 562045) é do Rio Grande do Sul, que passou a
adotar a prática em 1989, com base na Lei nº 8.821.
Em agosto de 2014, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que
tinha jurisprudência contrária, internalizou a decisão em repercussão geral e
passou a entender pela validade da progressão. Mas surgiu o debate sobre a
partir de quando deveria ser contado o prazo de prescrição para a cobrança da
diferença entre a alíquota mínima e as demais, assim como multa e juros.
No caso julgado ontem pelo STJ, os contribuintes pagaram o imposto com
alíquota de 1% em 2011, antes da decisão do STF de 2013. Em outubro de
2019, o Fisco gaúcho enviou a cobrança para o contribuinte, com o valor a ser
pago com a aplicação da alíquota máxima, de 6%. Essa diferença, com multa e
juros, fez os herdeiros pagarem R$ 60 mil a mais de impostos. O caso envolve
a transferência de patrimônio de um pai morto para três filhos.
No STJ, dois recursos foram analisados — um da Fazenda estadual e outro dos
contribuintes. Enquanto o Estado do Rio Grande do Sul pedia a aplicação de
juros, os herdeiros defendiam que a cobrança da diferença do tributo havia
prescrito. Ambos recorreram de decisão do TJRS que reconheceu a ausência de
decadência e afastou multa e juros.
Na sustentação oral, a procuradora do Estado Fernanda Figueira Tonetto Braga
argumentou que a não aplicação dos juros fere o artigo 161 do Código
Tributário Nacional (CTN). “A incidência dos juros de mora não depende da
má-fé do contribuinte, mas sim do mero inadimplemento”, afirmou, na sessão
de julgamento.
Votação
O relator do processo, o ministro Herman Benjamim, no entanto, entendeu
que, como a Fazenda não discutiu essa questão nos autos no momento
oportuno, não seria possível conhecer o recurso. Benjamim foi acompanhado
pelos outros ministros da 2ª Turma – Mauro Campbell Marques, Teodoro Silva
Santos, Francisco Falcão e Afrânio Vilela, presidente da turma.
“O acórdão se fundamentou em argumento autônomo insuficiente de que a
mora apenas pode ser contada a partir do vencimento da dívida. E, no caso,
sequer houve notificação do contribuinte estabelecendo prazo para pagamento
do tributo, nem foi definido o quanto era devido. O que, porém, não foi objeto
de impugnação no recurso especial. Por isso, não podemos chegar ao ponto
principal. Temos jurisprudência, mas não houve impugnação desse
fundamento”, disse o relator (REsp 2007872).
Análise
Na prática, os ministros do STJ mantiveram o acórdão do TJRS. O tributarista
Vinícius da Silva Zanuzzi, do escritório Pimentel & Rohenkohl Advogados
Associados, que atuou no caso defendendo os contribuintes, afirma que foi
pago o imposto com a alíquota mínima, pois o tema era controvertido. E que
partir da decisão do STF em 2013, com a internalização pelo TJRS em 2014,
entraram com um mandado de segurança alegando que o direito do Estado de
cobrar o débito se extinguiu.
Na visão de Zanuzzi, o prazo de cinco anos para a cobrança se inicia a partir
do trânsito em julgado da decisão que homologou o inventário.
Subsidiariamente, a partir de 2013, quando o STF declarou constitucional a
progressividade.
Para o tribunal estadual e o STJ, a contagem deve ser iniciada no primeiro dia
útil do exercício fiscal seguinte à decisão que validou a progressão (no caso do
TJRS, através do juízo de retratação), ou seja, em janeiro de 2015. “O prazo
para o Fisco acabaria no fim de 2020, mas, na nossa visão, seria em 2019”,
afirma o advogado.
A jurisprudência do STJ em relação à decadência é desfavorável aos
contribuintes, por isso, não há intenção de recorrer da decisão, diz Zanuzzi.
“Desde que houve a uniformização da jurisprudência do STJ, avisamos aos
clientes que não tinha mais discussão, mas eles aguardam o trânsito em
julgado”, acrescenta ele, citando o EAREsp 1621841. “Acho difícil ter espaço
para uma discussão constitucional”.
Para João Vitor Kanufre Xavier, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo
e Bardella Advogados, apesar do caso ser específico, há uma brecha em favor
dos contribuintes. “É uma porta de entrada para novas medidas, uma brecha
interessante. Porque se a jurisprudência fosse aplicada em análise mais detida,
pelo menos se manteria o juros”.
Segundo ele, muitas receitas estaduais lançam o auto de infração mesmo
pendente de critérios de constitucionalidade para prevenir a decadência. “Nesse
caso, o Estado do Rio Grande do Sul preferiu esperar.” O “erro”, acrescenta,
foi não ter oportunizado para os herdeiros o pagamento do imposto sem multa
e juros nos 30 dias antes de lavrar o auto de infração. “É preciso que o
contribuinte saiba o valor do tributo e como se aplica a alíquota progressiva. E
que o Fisco desse a oportunidade de ele se regularizar.”
Já Carlos Eduardo Amorim, sócio do Martinelli Advogados, a controvérsia
maior sobre a progressividade da alíquota já foi encerrada e a jurisprudência está
consolidada em relação à decadência. “Hoje se discute apenas as cobranças que
remanesceram. São casos particulares que não devem ter repercussão para
outros contribuintes”, diz.
Da decisão, ainda cabe recurso (embargos de declaração). A Procuradoria Geral
do Rio Grande do Sul disse que não deve recorrer por ora porque foi mantida
a cobrança do tributo. Afirmou ainda que possui ações sobre essa matéria do
período entre 2020 e 2022, após a decisão do STF da constitucionalidade da
alíquota progressiva. “O processo julgado, nesta terça-feira (09/04), é um dos
poucos que ainda remanesciam.”